Definida a conveniência de estabelecer uma estação de monta em determinada empresa pastoril, alguns pontos de importância devem ser considerados.
1.Implantar um sistema de pontuação da condição corporal das matrizes
A estação de monta não aumenta a taxa de fertilidade permitida pelas condições preexistentes, definidas pela disponibilidade e qualidade dos pastos. É amplamente reconhecido que a nutrição é o fator mais importante para a fertilidade da vaca. Centenas de pesquisas já demonstraram que isto é traduzido pela condição corporal que a vaca exibe ao parto. A matriz necessita parir com 3,5 pontos de condição corporal, em uma escala de 1 a 5. Este é o fundamento maior da fertilidade. Chega-se a considerar que a boa condição corporal ao parto é mais importante que o regime nutricional pós-parto. Isto é válido dentro de certos limites, ou seja, parida com 3,5 esta matriz necessita de disponibilidade forrageira suficiente para que ela atinja o final da estação de monta com mínima perda desta condição e que chegue na desmama com um mínimo de 3,0 pontos de condição corporal. É este o grande desafio, já que no primeiro mês de parida a vaca praticamente dobra o seu consumo de matéria seca de forragem (de 6kg/dia passa para 12kg) e depois o mantém alto até a desmama. Ao final da lactação ela deverá ter consumido, nestes 7 meses, 70% do total de matéria seca que ela é capaz de ingerir em um ano. Assim sendo, as estações de parição e de monta devem coincidir com o máximo crescimento natural dos pastos. Caso estejam em assincronia com esta máxima produção, haverá necessidade de suplementar as vacas para evitar os baixos índices de fertilidade.
Ao se garantir estes quesitos consegue-se o reinício dos cios férteis pós-parto o mais cedo possível, o que permite manter a indispensável concentração dos nascimentos logo no início da estação de parição. Em estações de 90 dias de duração, 50% dos nascimentos devem ocorrer nos primeiros 21 dias, atingindo-se pelo menos 70% até o final de 40 dias de parição. Esta concentração de nascimentos nos primeiros 40 dias indica que a estação de monta está adequada, pois garante que a maioria das matrizes apresentem mais do que 70 dias de paridas quando os touros começam a trabalhar (Figura 01). Esta concentração é fundamental para que a estação de monta mantenha-se estável dentro dos meses escolhidos.
As vacas que parem em boa condição corporal e no início da estação de nascimento não necessitam de nenhum manejo especial. Entretanto, aquelas que o fazem mais tardiamente dentro da estação não terão tempo de exibir cio fértil antes da retirada dos touros e certamente serão as futuras vacas falhas. Nestas últimas, algum manejo adicional pode ser aplicado (desmama temporária, restrição das amamentações para uma vez ao dia, entre outros), com o objetivo de antecipar o primeiro cio fértil, de forma que ele apareça antes de 70 dias do parto. Além do mais, estas fêmeas retardatárias necessitam ter um intervalo entrepartos menor do que 365 dias, visando antecipar a próxima parição, obtendo-se, sucessivamente, a cada ano, posições mais confortáveis quanto à data de parição. Isto é particularmente importante nas vacas zebuínas, pois estas apresentam longos períodos de gestação, geralmente acima de 290 dias, com o que deve-se manter as matrizes bem manejadas para que exibam um curto período de serviço para compensar esta desvantagem. Embora o período de gestação tenha certa variação em torno da média, esta variação parece ser mais ampla nos zebuínos, onde certas vacas chegam a ter períodos inferiores a 270 dias, enquanto que em outras este período pode aproximar-se de 300 dias.
Um bom observador perceberá se houve esta necessária concentração de nascimentos em determinado rebanho. Basta examinar o tamanho dos bezerros no início da estação de monta. Eles terão o tamanho correspondente a cerca de dois meses de idade.
A aquisição de 3,5 pontos de condição corporal ao parto impõe o início de um manejo nutricional com três meses de antecedência, ou seja, logo após a desmama do último lote de bezerros. Nesta hora realiza-se a pontuação da condição corporal das vacas. Recomendamos que o método adotado seja por palpação corporal e não por visualização. É que o objetivo é estimar as reservas adiposas, o que fica fácil de perceber pela palpação de certas regiões, como o costado, lombo e inserção da cauda. As vacas de corte apresentam certa variação no índice de musculosidade, o que poderá levar a uma sobrepontuação nas vacas mais musculosas, caso o método adotado seja o visual. O método visual é, ao nosso entender, mais apropriado às vacas leiteiras, pois elas geralmente são bastante uniformes dentro do tipo de produção de leite, onde todas exibem baixa musculosidade.
Na medida em que a pontuação vai sendo obtida, as fêmeas são apartadas em lotes de manejo nutricional diferenciado: lote que não necessita ganhar peso, lote que necessita ganhar 0,5 ponto, 1,0 ponto e assim por diante e conforme as disponibilidades da empresa. A obtenção da condição corporal é muito fácil e mais rápida do que a palpação para diagnóstico de gestação.
Finalizada a estação de monta, pode-se reavaliar a condição corporal por ocasião do diagnóstico de gestação, visando identificar a origem de eventuais problemas reprodutivos. Assim, se no diagnóstico de gestação as vacas com condição corporal 3,0 apresentarem prenhez acima de 90% em um determinado rebanho, então é provável não haver problemas com enfermidades da esfera reprodutiva, entre outros, indicando que ao se aumentar a condição corporal das vacas magras, haverá aumento da taxa de prenhez do referido rebanho. Exemplificando, seria o caso de um rebanho que terminou a estação de monta com 2,7 pontos de condição corporal, portanto abaixo da considerada adequada e que apresentou 75% de prenhez; entretanto, as vacas com condição corporal 3,0 atingiram 93%, o que indica que melhorando o manejo nutricional das vacas de menor condição corporal (1 1/2, 2 e 2 1/2), haverá aumento do índice de prenhez. Em outro rebanho, também com baixa taxa de prenhez, o problema poderá ser de enfermidades da reprodução quando todas as vacas, incluindo as com condição corporal 3,0 ou superior, exibirem baixas taxas de prenhez.
2. Ajustar a estação de monta ao genótipo dos reprodutores
É o efeito da temperatura ambiental, particularmente importante nas raças taurinas não adaptadas ao trópico. Em certos meses do ano, como janeiro e fevereiro, as altas temperaturas podem causar mortalidade embrionária precoce, quando a matriz não adaptada aumenta a temperatura corporal em resposta ao estresse pelo calor. Isto provoca aumento da temperatura no oviduto, além de poder alterar o padrão endocrinológico. O efeito do estresse calórico é mais intenso nos dois primeiros dias de desenvolvimento embrionário. A partir do 3o dia de gestação, o embrião aumenta sua tolerância ao calor, provavelmente porque já adquiriu habilidade para sintetizar certas proteínas protetoras contra o calor. Esta síntese ocorrerá após a ativação do genoma embrionário, quando ele encontra-se no estágio de 8 a 16 células. Assim, uma vaca que sofreu estresse pelo calor no primeiro dia de gestação terá maior probabilidade de produzir um embrião inviável. Quando o choque térmico ocorre a partir do dia 3 de gestação, seu efeito é menos maléfico, pois o embrião já adquiriu a capacidade para proteger-se.
Os touros não adaptados ao trópico também sofrem queda de desempenho, especialmente pela redução da motilidade, da taxa de síntese e aumento das anormalidades dos espermatozóides. Em raças ou indivíduos menos adaptados, tais ocorrências já são possíveis em temperaturas ambientais entre 31-35oC. Dependendo do grau de aumento da temperatura retal, o plexo pampiniforme poderá falhar em sua função de manter os testículos na temperatura adequada. O restabelecimento da regularidade espermática apenas ocorrerá depois de cerca de 8 semanas após o retorno à normalidade térmica. Este período de 8 semanas corresponde a uma onda espermática completa. É lícito, ainda, suspeitar-se da ocorrência de uma menor capacidade de serviço nestes touros com temperatura retal mais alta.
Os zebuínos, ecótipos da faixa intertropical, não devem sofrer tais danos, o que permite maior elasticidade no planejamento da estação de monta, devendo-se apenas evitar o inverno, já que esta subespécie apresenta maior fertilidade nas estações do ano de dias longos.
Agora, com os taurinos não adaptados ao calor, o efeito da temperatura ambiental acaba impedindo o ajustamento da estação de monta aos meses de maior produtividade natural dos pastos e portanto, mais quentes e úmidos. As estações primaveris e outonais seriam, neste caso, mais adequadas, o que requer especial atenção à condição corporal ao parto, especialmente das vacas que irão parir no inverno.
Ainda seriam interessantes algumas considerações sobre tais efeitos do estresse pelo calor, cujas conseqüências têm como ponto de partida a elevação da temperatura retal. Acreditamos que na produção de bovinos de corte, alguns manejos possam ser prejudiciais à fertilidade, mesmo no caso de zebuínos, sabidamente resistentes ao estresse térmico. Nossas suspeitas referem-se às situações em que há intensa movimentação das matrizes em estação de monta, onde a elevação da temperatura retal poderá ocorrer através do calor gerado internamente pelo trabalho muscular, especialmente sob o sol intenso dos dias muito quentes. Longos períodos de permanência destes lotes no curral, nestes dias de elevadas temperaturas, também deve prejudicar a fertilidade. O curral impõe menor poder de dissipação do calor corporal devido a uma maior proximidade entre os animais e pela menor ventilação, devido ao tipo de material de construção das cercas, geralmente de tábuas. Um bom sistema de mangas permite evitar esta situação. Toda a movimentação dos lotes em estação de monta deve ser “a passo lento”, o que pode ser garantido por um ponteiro bem instruído sobre o problema.
3. Preparar os pastos que irão receber os bezerros desmamados
Qualquer que seja a estação de monta adotada, os pastos que irão receber os bezerros desmamados devem apresentar-se os mais tenros possíveis. No rebanho da Fazenda São Manuel – Unesp – Botucatu, o desmame é no inverno (estação de monta de fevereiro a abril) e os pastos oferecidos são preparados a partir do início de maio, quando estes piquetes recebem alta lotação por alguns dias, o suficiente para rebaixar toda a massa forrageira; a seguir são vedados ao pastejo. São pastos reservados de outono. A brotação outonal fornece forragem de boa qualidade no inverno, desde que a espécie forrageira apresente razoável crescimento sob condições de menores intensidades de luz, calor e umidade, como é o caso das braquiárias. Os pastos reservados de outono apresentam-se com maiores taxas de proteína e de digestibilidade.
4. Fazer exame andrológico antes de cada estação de monta
As empresas rurais que não examinam anualmente seus touros costumam ter elevadas proporções de inaptos à reprodução. Geralmente estes touros atingem 20% do lote e em alguns casos 50%. Em outras empresas que já adotaram o exame andrológico como rotina, estas porcentagens geralmente estão abaixo de 10%.
5. Efetuar a aquisição dos touros com antecedência
É o problema do estresse da viagem e adaptação ao novo ambiente. O estresse é caracterizado pela elevação do cortisol e níveis elevados deste hormônio afetam negativamente a secreção de LH, bem como a produção de esteróides gonadais, no caso a testosterona. Touros submetidos a longas viagens podem não produzir ejaculados aptos por várias semanas. Assim, é fundamental que os touros já estejam adaptados ao novo ambiente antes do início da estação de monta.
6. Formar os lotes de touros levando-se em conta a ordem social entre eles
Um grupo de touros múltiplos seria mais eficiente quando formado por indivíduos novos, com até 4-5 anos de idade e que permaneceram juntos por algum tempo, de forma que a hierarquia social entre eles já esteja estabelecida quando a estação de monta começar. Caso esta hierarquia seja estabelecida durante a estação de monta, poderá haver queda na taxa de prenhez nos primeiros 21 dias da estação, pois nos primeiros dias os touros estarão mais envolvidos em disputas do que servindo vacas em cio. Há, ainda, o problema do estresse que instala-se entre os touros, embora de intensidade menor ao que se verifica durante o transporte.
O planejamento e execução de uma relação touro/vaca adequada, sem excesso de touros, reduz muito os problemas negativos da interação social. Isto porque o aumento da pressão de vacas em cio sobre os touros costuma reduzir os efeitos da dominância. Deve-se destacar que dominância não é sinônimo de fertilidade e que um touro muito dominante dentro de um lote em monta múltipla pode prejudicar a fertilidade geral. Assim, antes da formação dos lotes é de interesse identificar a capacidade de serviço e a dominância de cada reprodutor. Os muito dominantes não devem compor um lote com outros menos dominantes.
Os lotes com excesso de touros costumam originar os chamados “touros alongados”, que permanecem apartados do grupo. Em zebuínos Nelore pudemos constatar que esta ocorrência é mais comum nos lotes de touros mais velhos, em altas proporções touro/vaca (1/16) e que o problema fica reduzido após reajustamentos na composição destes lotes.
7. Adequar a duração da estação de monta ao comprimento médio do intervalo entrepartos do rebanho
Usualmente, a estação de monta é programada para 3 meses de duração. Neste caso, o período entre o parto e o primeiro cio fértil não deve ultrapassar 75 dias (no caso de gestações de 290 dias), o que daria tempo para que as vacas de parição mais tardia exibissem pelo menos um estro antes da retirada dos touros. Estas vacas não teriam oportunidade de exibir um segundo estro.
Reduções na duração da estação envolvem também reduções no período parto-primeiro cio fértil. Ou seja, o que já não é fácil para os 75 dias do primeiro caso, torna-se um desafio bem maior no segundo. A relação custo-benefício e as possibilidades de desempenho das matrizes devem ser avaliadas.
Caso tais intervalos sejam mais longos (90, 100 dias), seria interessante estudar a conveniência de aumentar a duração da estação de monta para 5 meses.
Por Gilberto Pedroso da Rocha1 e João Ratti Júnior